quinta-feira, 27 de setembro de 2007

O Juridicamente Correto

Vocês sabiam que no mundo do direito há correntes de pensamento e ação que defendem o uso do juridicamente correto? Alguns até acham que é no direito que podemos ter um bom êxito nas redescrições semânticas. Na modernidade, como indica a tradição jurídica a qual Max Weber se filiou, tanto o individuo quanto o autor da ação são entes de direito, nunca objetos de apropriações, sempre sujeitos requerentes ou demandantes de direitos. É verdade que com base em algumas constituições nacionais, a questão do quem é o sujeito era um espectro reduzidíssimo. Mas, o que fizemos foi efetivamente ampliar esse espectro e não alterar-lhe o sentido. Só há direito quando estamos diante de sujeitos demandantes.
A filosofia, que entra no debate por conta do conceito de eu, demora até Kant para alcançar a esfera legisladora que o torna um sujeito de conhecimento legítimo. Em Descartes o eu está aprisionado numa rede de significações que deve retroagir até Deus para que a sua própria existência seja confirmada e validada. O eu aspira liberdade e autonomia, mas não tem fundamentos em-si. Kant deu-lhe os fundamentos na própria razão legisladora. É do eu que brota a ordem racional do mundo, foi o que provou com as suas três Criticas. Ainda que todo o mundo não brote do eu, o que irritará ao Fichte logo mais, a superfície habitável e conhecida, o assim chamado fenômeno, é obra legitima do eu. Kant é quem nos presenteou com o eu legislador. A partir daí ninguém mais irá duvidar da capacidade constituidora de mundos do eu ainda que sua pretensa unidade jamais tenha sido demonstrada.
Na seara da filosofia da linguagem, o eu articula a linguagem e pode assim descrever e redescrever o mundo. Ainda que obviamente com eficácia maior dentro de grupos sociais, indivíduos inteligentes exercem a capacidade de alterarem o modo como são referidos e requeridos frente a outros grupos e ao poder público e privado.
Hoje fala-se no direito humanista como sendo uma esfera do agir normativo que praticamente, eu diria, sacraliza o ser humano. Porem, o direito humanista não adentra o sistema normativo de uma nação com muita facilidade. Há disputas em torno do direito humanista, inclusive disputas lingüísticas, por conta de redescrições dos sujeitos de direito. Redescrições positivas porque fundadas em consensos democráticos espalhados pela sociedade. Através do direito é fácil identificar o grau de democracia que possui uma sociedade. Quanto mais ampla e reconhecida as praticas dos sujeitos de redescreverem suas experiências com o mundo, mas livre serão esses indivíduos.
É por isso que nenhum demandante de direitos pode ser identificado como elemento sob pena de se anular a própria eficácia do direito. No direito, os indivíduos são representados enquanto pessoas de direito que pelo simples fato de nascerem humanos já são os beneficiários. Qualquer outra referencia aos indivíduos, cai como descaracterização dos autores da ação. Atores da ação são válidos e é só por isso que podem demandar o direito. Mesmo que seja para serem penalizados. O direito humanista evidentemente que não pode suportar as teses da prisão perpétua ou da cadeira elétrica por uma razão óbvia. Há por detrás de qualquer aplicação de normas o objetivo educacional. As normas não existem apenas para disciplinar a sociedade e impedir uma guerra insana de todos contra todos; elas existem antes de tudo para humanizar os sujeitos com base no aprendizado com as perdas impostas pela aplicação de sanção ou mesmo a privação de liberdade.
Os sujeitos de direito estão blindados até que se prove, com base em amplo processo penal, tramitado e julgado e satisfeitas todas as possibilidade de recursos, a sua transgressão ou infração legal. Suspeito não existe. E a responsabilidade penal ou cívil por determinada ação é após o processo.
As conceituações e identificações jurídicas não podem prescindir de considerar o demandante de direito, pessoa ou sujeito de direito, e nunca apelidá-lo como referencia seja lá o nome que for usado.

Sergio Fonseca

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