quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Ética e Política

ÉTICA E POLÍTICA
Sergio Fonseca
Historiador
Opensamento político moderno nunca mais foi o mesmo desde que Maquiavel abriu a temporada do realismo para explicar os próprios políticos como deveriam agir se quisessem continuar no trono. É claro que por intuição todo Político sabe como se manter lá, ou então sequer oderia ser considerado como tal. Político que se preza, pensamos nós hoje, tem cargo a disposição, verbas públicas polpudas e eleitores prontos a confirmá-lo o cargo quando assim necessário.A primeira coisa que Maquiavel observou na forma como se fazia política na antiguidade era que a pratica não condizia com os manuais do bom governo e do bom governante. Também na idade média o modo cristão de descrever a atividade política era muito mais uma aposta e, no fundo, um guia da bondade política do que uma descrição objetiva dos fatos. Por realismo, Maquiavel entendia um modo particular de descrever os fatos. A atividade política nada tem de nobre, eis a primeira lição que se depreende de seus estudos. Se ela não é nobre, podemos entender que estamos diante de uma sujeirada que não tem fim. Porem, quem assim o interpretou, errou feio. É evidente que Maquiavel não acreditava na bondade humana apregoada pelo cristianismo. Ele já havia observado que na própria igreja, nos momentos de substituição da sua autoridade máxima (o Papa), e não apenas nesses momentos, as movimentações e articulações para cravar o sucessor eram muito parecidas com a política e nada tinham de nobre. Eram intrigas, contra-informações, mentiras, armadilhas, golpes, violência, traições e assim por diante. Como então concordar que na política os homens pudessem agir de forma angelical? ficou então evidente para Maquiavel que as teorias políticas inspiradas no cristianismo não apenas não explicavam nada como necessitavam com urgência serem substituídas por outras, mais realistas e menos condescendentes com a idéia deque somos de natureza divina, portanto bons e justos por origem.
A política possui todos os ingredientes para ser considerada o centro das preocupações das sociedades modernas. É nela que se decide os projetos que irão nortear as ações dos agentes sociais. Maquiavel, cônscio, não da nobreza, mas da função fundamental da política, cuidou de identificar as estratégias e astáticas usadas pelos políticos para se conservaram no poder.
E foi por isso que ele tomou a precaução de separar a ética da política. Não porque concordasse com a sujeira, mas porque sabia que a política não é o resultado de nossas crenças, mas de lutas acirradas pelo poder. O caráter objetivo da política se revela nas situações nas quais os planos e propósitos dos políticos, mesmo indicando um grau de racionalidade elevado, não se cnfirmam na realidade.É que a política, como disse de forma categórica o filosofo e amigo pessoal do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, José Arthur Giannotti, possui uma zona cinzenta que é de pura irracionalidade tanto no sentido de que a ética não entra como na constatação de que a realidade está sempre a exceder os projetos.Maquiavel concordava e de fato exortou o príncipe a usar de todos os meios disponíveis e ao alcance das mãos para permanecer no poder. Inclusive se a única condição for matar a própria mãe para obter o desejado, então que assim seja. A herança do florentino é conhecida nos dias de hoje como maquiavelismo, uma espécie de filosofia que consiste em justificar os meios pelos fins. Logo, não há espaço nessa filosofia para princípios.
Karl Marx
Karl Marx, um maquiavélico pós-hegeliano, entendeu a política como luta acirrada pelo poder, mas acreditava .que por conta da divisão social entre proprietários dos meios de produção e os trabalhadores, o poder, através da força, migraria para as mãos dos primeiros que então organizaria a sociedade à sua imagem e semelhança. Marx, de forma muita hegeliana, atribuiu aos trabalhadores uma certa missão nobre e universal que os tornariam portadores de valores emancipacionistas. Nesse caso, Marx considerou o fato de que o poder, uma vez nas mãos dos explorados, poderia ser utilizado para o bem.
E a própria política, uma vez consumado a ação de elevação dos justos ao trono, Poderia ser dissolvida e substituída por iniciativas administrativas porque, de alguma forma, a política é irmã do poder e os dois são apenas modos de Manipulação e maquinação. O poder só teria por função, nessa fábula marxista, de manter uma parte da sociedade dominada. Quando cessa a dominação, não há mais razão para o poder existir e, assim, ele aos poucos definha.Maquiavel concordaria com muita facilidade com a tese marxista da divisão da sociedade entre os grandes que querem dominar e explorar e os pequenos que não querem nem ser dominados e nem explorados. Porem, dificilmente acompanharia o Marx na crença de que os trabalhadores ou outro grupo social pudesse, ao se apossar do poder, fazê-lo definhar. Aqui Maquiavel provavelmentedeixaria Marx falando sozinho.
Weber
Com isso, na visão marxista, na política não há lugar para princípios e nem para ações nobres. O que há são interesses ferrenhos se digladiando. A solução, é o uso do contra-poder, ou seja, um conjunto extenso de táticas organizacionais para permitir aos explorados tomar o poder.Também o sociólogo alemão Max Weber, logo mais, irá fazer uma distinção entre ética de principio e ética de responsabilidade para compreender a atividade política. Não é sem razão que ele foi considerado por muitos o Maquiavel da era do aço. Um pensador que tinha em alta conta a tal da realpolik como fundamento das ações do Estado num contexto retardatário no plano industrial.Weber pode ser tomado aqui como exemplo de maquiavelismo porque salta os olhos o modo como ele próprio concordou com certas ações agressivas do Estado alemão, quando em seus textos de teor mais acadêmico apoiava a liberdade. Uma contradição forte cravada no cerne de seu pensamento. Weber considerava os pacifistas, uma gente simplória e ingênua. A relação que ele estabeleceu entre liberdade e poder é única na história do pensamento, e mostra muito de suas afinidades eletivas com Maquiavel.Maquiavel facilmente entenderia a necessidade de um Estado forte para proteger a liberdade num contexto de disputa e concorrência acirrada entre as nações como foi a era do imperialismo. Podemos dizer também que ele facilmente concordaria com a afirmação de que não há poder sem perversidade e injustiça. Não que o ideal de justiça seja algo banal e inalcançável. A verdade é que a própria justiça para se fazer efetiva necessita do poder. E o poder não deixa os homens e as mulheres agirem sem as paixões e os interesses. O ciclo então se fecha quando constatamos que não há nada mais distante da justiça do que aparcialidade, os interesses, a corrupção, enfim, o poder.
Liberdade
Quanto mais aumenta o desejo da sociedade por mais liberdade, mais o poder ver aumentado os seus tentáculos, eis uma máxima que uniria tranquilamente Weber e Maquiavel. É que a liberdade precisa de proteção. E a proteção e a segurança estão no poder. Quando nos voltamos aos pensadores da política pós-Maquiavel vemos que todos eles, J. Locke, Hobbes, Montesquieu, Rousseau e tantos outros, ou pensaram em termos de um aumento do poder via delegação ou então uma diminuição via uma maior autonomia da sociedade civil. Em todos os casos, porem, e mesmo tomando um Rousseau que partia de uma idéia de uma suposta bondade natural humana, dealguma forma o poder precisa ser regulado ou regular.
O estado de natureza fictício que eles usaram para elaborar as suas teorias, tem um valor atual inestimado. Serve para decidirmos como entendemos a nós mesmos. Será que éramos bons e o Estado cuidou de nos corromper? ou éramos maus e vivíamos em situação de guerra e selvageria e o Estado pôs um fim nissonos dando segurança, tranqüilidade e bem estar material?
Para Hobbes, o formulador do grande Leviatã, o poder encarnado no Estado todo poderoso de fato deve se divorciar da sociedade para exercer a função pela qual foi criado: proteger a sociedade. É verdade que Hobbes, diferentemente de Rousseau, partia da idéia de que não havia nenhuma bondade natural entre os homens antes da civilização. Para ele, o homem segue sendo o lobo do homem. A delegação, em seu caso, parece um ato cego, um cheque em branco, como diríamos nós hoje, que diminuiria a nossa liberdade e transferiria o poder para as mãosdo príncipe. O leviatã funcionaria como um olho de guerra contra tudo e todosque atentassem contra a segurança de seus cidadãos.
J. Locke sentia arrepios diante de uma tal teoria política. Por isso, cuidou de fazer retornar à sociedade, o poder. Sabendo que não era possível uma sociedade existir sem o poder, não acreditava tampouco que o poder fosse tão nobre assim para que cegamente entregássemos a chave de nossas vidas em suas mãos. O poderprecisa ser controlado, eis o resumo das suas análises.
Em Rousseau, a Vontade Geral seria o povo exercendo diretamente os seus interesses. Todas as revoluções que ocorreram na seqüência justificavam seus propósitos com base na teoria de Rousseau, mesmo as ditas marxistas. E todas elas foram devoradas pelas taras do poder que fugiu do controle do povo para alojar-se nas mãos de grupelhos espertos e maquiavélicos. Além do mais, como disse o nosso falecido Otavianni, o povo é uma categoria sociológica abstrataque a rigor não existe.
No capitalismo triunfante, a preocupação com a imparcialidade da lei criou o consenso de que o poder seria um mal necessário e que de alguma forma tínhamos que submetê-lo e domesticá-lo. Esse processo não é obviamente algo tranqüilo e tampouco dado quando se alcança tal façanha. Porque, ao menor descuido, o poderaumenta a sua força sobre a sociedade. Ou seja, cresce e nos devora aos poucos.
A Ética hoje
Como Maquiavel não via muita utilidade na ética para entender o poder, hoje devemos nos perguntar se de uma sociedade que também dispensa a ética para substituí-la pela concorrência selvagem, pode brotar os impulsos para abrandar o poder.No tempo de Maquiavel, a sociedade parecia algo completamente diferente do poder. Em nosso tempo, a sociedade, por conta de inúmeras transformações, a cada dia que passa, fica mais homogênea ao poder, mais fria e calculista. Contribuiu para isso O Fim das Ideologias.

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