quarta-feira, 6 de julho de 2011

Resenha do Livro Rumoa à Estação Finlândia/ Edmund Wilson

Rumo à Estação

The Finland Station: in the Writing and Acting of History (1940) foi pensado quando Edmund Wilson caminhava tranqüilamente pelas ruas de Nova York em 1934. Lhe ocorreu que nem o marxismo e tampouco a teoria moderna da história haviam sido expostos de modo compreensível. O título foi inspirado em To the Lighthouse (1927) de Virginia Woolf. A primeira parte do livro trata da vida e dos textos históricos de Jules Michelet, Ernest Renan, Hippolyte Taine e Anatole France. A segunda parte cobre o desenvolvimento das teorias socialistas na França, Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha: François Babeuf, Saint-Simon, François Fournier, Robert Owen , Prosper Enfantin, Ferdinand Lassalle, Michael Bakunin, Karl Marx e Engels. A terceira parte que trata sobre a dialética, discute as personalidades revolucionárias de Lenin e trotski. Wilson demonstra, com a Revolução Russa, como as idéias se convertem em ação e prova que tal evento não foi apenas histórico, mas também intelectual. Edmund baseou-se em fontes secundárias para conceber To The Finland Station. Fundamentais foram os livros: Marx, Lenin and the Science of Revolution (1926), de Max Eastman; From Hegel To Marx (1936), de Sidney Hook; Michael Bakunin (1937), de E. H. Carr. Com vasta experiência em descrições psicológicas e dramas existenciais, não foi difícil a Wilson ir fundo em seus personagens históricos para revelar detalhes significativos de suas vidas, sofrimentos terríveis e até situações esdrúxulas quando narra San-Simon recusando-se a receber um conhecido, aos 85 anos, porque dizia que iria perder a linha de raciocínio.Marx é apresentado em toda a sua grandeza intelectual, mas também em seu sofrimento familiar por conta da penúria material em que vivia.Do ponto de vista histórico-filosófico, To The Finland Station abre mais espaço para Michelet do que para Hegel. Este sim a verdadeira fonte de inspiração de muitos movimentos revolucionários do século XIX e XX, quando baseados no racionalismo e no Iluminismo. O autor respondeu dizendo que tinha verdadeiro horror por idéias abstratas e que detestava o idealismo alemão.Wilson levou seis anos escrevendo o livro. Neste interím, ele mudou a sua visão da Rússia, de uma posição mais romântica para algo mais realista. Contribuíram para essa mudança as farsas dos julgamentos de Moscou e o papel que Stalin jogou na Guerra Civil Espanhola.Mesmo assim, porém, Wilson pemaneceu fiel a sua visão romântica de Lenin. Todavia ele conseguiu separar o seu artífice da obra. A Rússia então lhe parecia uma terra de tirania, opressão, assassinatos e derramamento de sangue. Lenin foi tido como o exemplar raro da espécie humana que coloca à frente de seus intereses individuais os sofrimentos da humanidade. Foi o altruísmo de Lenin que provocou a revolução Russa, numa clara motivação psicológica que tenta explicar porque homens e mulheres, inteligentes e competentes, abandonam tudo em prol de um ideal.Mais tarde, em 1971, quando escreveu um novo prefácio para o livro, Wilson fez mea-culpa e admitiu que não havia notado a continuidade histórica entre a velha e a nova Rússia. Não havia hiato ou tampouco ruptura profunda. A nova Rússia seguiu sendo opressiva, manteve a censura, polícia secreta, burocracia incompetente e uma brutal autocracia.O livro tentou captar a atmosfera romântica dos ideais revolucionários, porém, mais tarde, ele próprio observou o paradoxo quando se deparou com a autocracia de Stalin. Wilson não concluiu, todavia, com a prova histórica na frente, que as idéias revolucionárias têm um destino trágico. Ele preferiu concluir o livro com Lenin chegando à Russia e as idéias revolucionárias e romanticas fervilhando e motivando homens e mulheres modernos a mudarem as suas vidas.Para muitos criticos de Wilson, a tese do livro veio a público (1940) num momento errado. Stalin fazia o pacto de não-agressão com Hitler; e a invasão alemã que jogou a Rússia na guerra. Enquanto Wilson publicava o livro, a Alemanha, Italia e Japão assinaram acordos econômicos e militares, a Itália triunfava na Líbia, a França fracassava na tentativa de ocupar Dakar e Londres estava completamente bombardeada. Os românticos herdeiros da revolução que Wilson enaltecia, limitavam-se a observar os nazistas invadir, ocupar e massacrar a maior parte da europa.No Brasil, o livro apareceu em 1986. Teve um sucesso estrondoso, mas não parece que seus leitores tivessem dado conta das incongruências entre a celebração dos ideais românticos e revolucionários e a realidade opressiva dos regimes políticos e sociais inspirados em tais ideais.Somente em 1989, com a Queda do Muro de Berlim, que tais contradições produziram reflexões intelectuais mais realistas sobre os destinos trágicos dos ideais revolucionários. Wilson tinha um conhecimento estupendo, era o tipo do intelectual sobre o qual se poderia dizer que havia lido tudo. Sem dúvida, essa sua caracteristica contribuiu para que To The Finland Station se tornasse um clássico já em seu nascedouro.
Sergio Fonseca

Drogas e Modernidade

O crack e a modernidade

Sergio Fonseca

O crack é a droga da crise da modernidade. Diferentemente da maconha, que produz um efeito reflexivo num ritmo lento e calmo do corpo e do cérebro, o crack acelera os batimentos cardíacos, paralisa o ...


O crack é a droga da crise da modernidade. Diferentemente da maconha, que produz um efeito reflexivo num ritmo lento e calmo do corpo e do cérebro, o crack acelera os batimentos cardíacos, paralisa o sentimento de medo e impotência, e converte o usuário, durante o tempo de efeito da droga, num super-homem. Ele potencializa tudo aquilo que nós, velhos modernos, gostaríamos de ser: sentimentalmente duros, fisicamente imbatíveis, e intelectualmente indiferentes às susceptibilidades, "pobres" e sensíveis, da natureza.
O crack estimula o indivíduo a ultrapassar a linha que demarca a convivência social. Os limites assim ultrapassados, obviamente, trazem de volta a era da selvageria. Ironicamente, a droga do fim da modernidade é a atualização de nosso caráter agressivo e bárbaro. Filosoficamente, por que o crack é tão sedutor?
De uma forma ou de outra, nós modernos gostamos da falsa sensação de sermos mais do que seres naturais. Na religião, inventamos a ideia de que somos feitos de um material diferente dos seres naturais: seríamos espírito. Na ciência, inventamos um troço chamado tecnologia que nos capacita para além de nossas limitações diárias do corpo. O carro moderno, com o vidro suspendido, o ambiente climatizado interno, a velocidade suave, a individualidade protegida diante do incômodo do restante dos mortais, o carro é o casulo da morada moderna do indivíduo hipervalorizado.
A hipertrofia do indivíduo depende, todavia, de algo mais para se manter, ainda que tal estado de sensação do corpo não seja propriamente real. Novamente, a religião está aí para nos proteger dos riscos de um mundo real. Como modernos, temos dificuldade em aceitar unguentos metafísicos para a angústia do nada que somos. Ou entramos no portal da religião, e novamente reforçamos a nossa impotência pois temos que nos prostrar diante de uma divindade; ou buscamos outra saída. Não estamos, todavia, enxergando nada fora daquilo que a modernidade nos disponibilizou: a possibilidade de turbinar o corpo como auto-sensação de potência e força.
As conseqüências reais da vida moderna não nos deixam esquecer que somos mortais e frágeis, isto é, naturais como tudo o que há no mundo. A fragilidade do corpo nos torna precários. A indeterminação da vida, nos torna impotentes. Todavia, a palavra de ordem da modernidade é retomar o controle da vida, logo, sustar o destino e o acaso, e fazer do corpo, via técnica e ciência, algo mais do que tecido disponível do mundo orgânico.
A ciência moderna naufragou em suas inúmeras tentativas de ser um sucedâneo para a religião. Logo, ela produz técnicas maravilhosas, artefatos engenhosos, instrumentos sofisticados, mas nada que nos faça fortes diante da precariedade da vida. Restam a religião, os alucinógenos, os fármacos e o crack.
O malogro da técnica e da ciência em dar sentido e valor a nossas vidas é a queda da modernidade. Nesta crise estamos agora como num deserto, não há valores que possam nos guiar. É o tempo do niilismo tout court, o terreno fértil para o crack. Os usuários não são vítimas da droga, mas vítimas de um tempo sem espírito que, todavia, nós próprios buscamos. E mesmo aqueles que não são usuários estão neste tempo. Para onde olhamos, vemos a queda do homem no abismo, no vazio, na ruína. E mesmo o dinheiro e o poder se mostram parecidos, em seus efeitos.
Todavia, não conseguiremos voltar às crenças passadas porque a iconoclastia é irrevogável. Os deuses se exilaram É o cheque-mate no indivíduo moderno derrotado. Para aonde vamos? O aumento do consumo do crack está indicando o retorno ao estado da selvageria e da barbárie.

Publicado originalmente em A Gazeta 28/10/09

terça-feira, 5 de julho de 2011

O Historiador e a Pós-modernidade

De Habermas podemos passar a considerar o impacto da revelação da pós-modernidade no contexto historiográfico de pensamento e pesquisa. Os historiadores ficaram sabendo da pós-modernidade a partir das discussões sobre o presentismo, o antiquário e a genealogia. Certamente, foi de Foucault, pelo menos em França, de onde sai as primeiras floradas do campo de um saber que virava-se, inusitadamente, à razão em tom de denuncia e insatisfação. Também o objeto agora é fragmento. As fontes apontavam para a socialização privada de indivíduos e coletividades. E, naturalmente, o poder era o alvo das investidas foucaultianas na história.
Foucault inaugura a pós-modernidade ao fazer uma operação de pensamento historiográfico até então pouco apreciada pelos profissionais de Clio: desfazimento. Em termos mais precisos, Foucault operou a desfamiliarização do conhecimento histórico ao voltar-se para o passado assentado na denuncia do presente. Tudo é o presente, e o passado é natimorto. E se agora se pergunta pelo o que houve no passado, de Foucault se pode ter uma única resposta: a presentificação faz do historiador um antiquário paradoxalmente evanescente. Os Usos e Abusos da História, de Nietzsche, serviu-lhe de inspiração.
Na genealogia tem inicio o tribunal que irá examinar o saber histórico do examinador. O olhar da história tinha, agora com ele, os dispositivos de desconstrucionismo que lhe faltava. O genealogista é um desconstrutor, um desfazedor de lugares comuns do saber. E isso foi na história uma revelação. Uma iluminação. De fato, Foucault parecia levar luz ás trevas da razão. Para tanto, ele procedeu ao trabalho de refazer o caminho que levou a razão a pavimentar com uma linguagem especial e científica a modelagem de seus fatos, métodos e técnicas de saber.
A linguagem constituía o homem. Isso ele trouxe de seu mergulho na tradição filosófica do ocidente. Levado por mãos nietzschianas, ele pode flagrar o momento exato em que uma linguagem nova inaugurava o homem moderno. Talvez sem ter plena consciência que navegava em águas turvas e miraculosas de Ser eTempo, o arqueólogo se aproximava perigosamente do instante do Big Ben historiográfico no qual os objetos e toda a aparelhagem mental de uma ciência são montados. A modernidade transparente deu-lhe, como fato extraordinário do pensamento que nascia, a ocasião e os meios para olhar o passado não mais como um artista cultor de uma hermenêutica clássica, mas como um operador de máquinas que pretende mexer nos dispositivos constitutivos de poder.
Todos sabem do assombro que brotou das revelações bombásticas foucaultianas a respeito dos presos e das prisões, dos loucos e dos manicômios, do sexo e da sexualidade como lugar permitido de se fazer e falar de sexo. Mas, fundamentalmente, a sombra maior da maldição foucaultiana recai sobre a constatação tácita de que o poder pairava em todos os lugares, que em fios de banda larga, em redes roteadas e gerenciadas, em IPs identificados e familiarizados, o poder se capilarizava para alcançar o alvo, para exercer a tirania da onipresença totalitária. Logo mais, Foucault esclareceu que o poder é produtivo e que ele não apenas controla e mutila, mas configura e põe em movimento os corpos e seus desejos.
O saber histórico, como uma modalidade de cientismo moderno, está contaminado pelos desejos de poder da razão. Eis as conclusões a que chegam o historiador esquisito da genealogia. O modo estranho, muito estranho, de fazer história de Foucault ganha estrada. Para onde se olhava, na década de setenta e oitenta, se via um genealogista desfazendo das camadas que se sobrepunham aos eventos que, qual as sendas perdidas, se indagava pelos escombros que encobriam as vitimas da história do poder. Vitimas que mais lembravam os personagens de um filme de terror que cola no vilão uma culpa que é do mocinho e da mocinha: Pois é da natureza do poder foulcaultiano atuar como ancoragem de valores que podem estar em qualquer lugar e via de regra estão nas mãos dos mais fortes. Obviamente, não cabe falarmos em vitimas se estamos tratando de uma historiografia de remodelagem do poder, do saber, da verdade e da justiça.
No Brasil, essa denuncia da razão e do poder foi recepcionada pela historiografia marxista de esquerda que achava-se, de algum modo, desgastada, por infinitas investidas em estruturas visíveis de poder econômico, e que, não apenas perdia a beleza e a sedução da apresentação e da narrativa, como também não tinha mais para onde prosseguir se não fosse bater pé na critica do modelo escravista e do capitalismo selvagem, desde a década de 1950.
Houve tentativas de juntar Marx e Foucault numa denúncia da exploração econômica de uma modernização desigual. Mas, é evidente que Foucault não podia ver nos explorados nada mais do que eles tinham para oferecer: uma esperança de que um dia poderiam, tanto quanto os seus algozes, exercerem o poder de forma implacável. Foucault já vinha da critica ao poder totalitário soviético que pegou a esquerda francesa de calças curtas!
O original na critica dele é que se podia visualizar num contexto de vivência a história das relações sociais e não apenas um movimento brutal de forças empurrando os homens de acordo com os seus interesses de classes. Um mundo cultural podia ser visto e sentido pulsar nas veias dos atores sociais que já não eram mais marionetes dos interesses cegos da infra-estrutura econômica Tampouco eram autômatos que apenas reproduziam em nível de superestruturas os movimentos do capital.
Os atores foucaultianos mantém vínculos de produtividade com o poder. Isso os torna mais sedutores aos historiadores com veias de aventureiros que perseguem mais o mundo dos humanos do que as formas estruturais da potencia de fazer e desfazer do poder. Pois como sujeitos produtivos de um poder inquietante, os atores históricos não podem ser vitimizados ao bel prazer de uma ideologia, muito embora também eles são agarrados pelas volúpias insidiosas de auto-afirmação do poder. Desde o momento em que se instaura, o poder deixa para trás suas insígnias de controlador oficial da administração pública para infiltrar-se nas consciências pecaminosas daqueles que transgridem as regras sociais, mas morrem de medo por fazer o que fazem.
Se a história é feita por todos aqueles que de uma forma ou de outra mantém vínculos com o poder produtivo, então não é mais correto deixar a história ser levada pelos julgamentos morais ingênuos de que podemos captar a verdade do que foi e a a justiça do que não se cumpriu. Não há justiça na história, porque não é possível apreender o homem sem os dispositivos de poder que o constitui. O arqueólogo e o genealogista estarão sempre de prontidão para que novas camadas de resistência ao poder-constituinte possam ser remexidas e trazidas à tona depois que a normatividade do que é certo e errado, justo e injusto, instaura-se. Aí tem início uma nova guerra na história para se saber o que foi soterrado na batalha da vitória da verdade e da justiça que novamente passaram a se impor. Ao historiador pós-moderna interessa saber dos marginais das politicas do poder, da verdade e da justiça. Quem e de que modo ficaram às margens dos novos valores que brotaram da derrota de outros modos de vida. O ato de pisotear os mortos é a forma encontrada pela verdade e pela justiça para se auto-afirmarem e varrerem a história com a pureza e o novo. Foucault não se ilude com a verdade e com o poder, mas também não acredita mais numa verdade límpida e pura e num poder justo. O destino do genealogista é a inquietação permanente.
Sergio Fonseca

Há Espaço no Mundo Atual Para a Sedução dos ideais Revolucionários?

O mundo vive hoje inúmeras perspectivas de transformações, e ao mesmo tempo temos várias linhas de acomodação de regimes de governo dentro de um quadro de tradição de cultura política.
No Oriente Médio velhas ditaduras estão em vias de serem substituídas por outros regimes. Mecanismos modernos de comunicação, como as mídias sociais na internet, foram as protagonistas que permitiram uma resistência virtual na rede, aos poucos o movimento foi crescendo e transformando no que é hoje. A Líbia, a Síria, o Egito..., muitos países da região apresentam o cansaço de seu regime e a multidão clama por mudanças, por novos tempos.
A China se moderniza, mas não demonstra enfraquecimento de seu regime. No Rússia a democracia se acomoda a velhos valores da cultura política do país, que mantém vivo os ideais de um estado forte e um regime coletivista.
Na Europa é a crise econômica que faz renascer antigos ideais de revolução, mas que são rapidamente apagados e sustados por conta do apoio politico e econômico dos mais ricos. A questão é saber se a crise é tão forte a ponto de influenciar a população a tomar atitudes revolucionárias pro-ativas. Na Grécia e na Espanha, os movimentos libertários ganham espaço nas mídias sociais por conta, talvez, do próprio cansaço dos valores que sustentam os ideais de democracia, igualdade e bem estar sociais.
Entretanto, o consenso político e econômico da comunidade europeia é forte o bastante para não permitir que os países membros, quando em crise, sejam desestruturados podendo ser seduzidos por ideais que possam vir a lançar o país para fora do sistema capitalista. A estabilidade e a prosperidade do continente são defendidas com unhas e dentes, os lideres políticos acreditam que fora do capitalismo moderno não há saída para a Europa. Logo, ondas revolucionárias aí parecem ser coisas do passado, apesar da impossibilidade de domínio e controle totais sobre os dissidentes do capitalismo europeu.
Na África, a situação da década de 1980 ainda persiste. Os graves problemas sociais e as intolerâncias étnicas e muitas vezes religiosas não permitem uma estrutura de sustentação política que ofereça estabilidade à ordem e aos consensos entre os grupos em disputa pelo poder. O resultado são as intermitentes guerras civis e a falta de solução para os problemas sociais, que têm tornado a população daquele continente nos excluídos permanentes dos benefícios da modernidade e da globalização. Aliás, para alguns estudiosos das desigualdades no mundo, as causas de tal situação se devem paradoxalmente ao padrão de modernização e globalização capitalista ocidental que é hegemônica no processo histórico em curso.
Na América Latina, temos o inicio de uma era de mudanças positivas, apesar dos percalços. O Brasil, o gigante todo-poderoso do continente, consolida a sua democracia e consegue resultados prodigiosos na economia, na distribuição da renda e na estabilidade monetária. Ele tem sido o dínamo propulsor do desenvolvimento da região. Os ideais de revolução por aqui acomoda-se na subida ao poder central do PT, um partido de fortes laços com os movimentos de contestação da ordem, mas que já produz consenso em torno da aceitação das regras do jogo e do compromisso com a estabilidade e os parâmetros de organização do mercado capitalista. O PT agora respeita os contratos, como se diz por aí...
Lideres com discursos de esquerda têm sido os preferidos nas disputas eleitorais. Há alguns mais radicais, é bem verdade, como é o caso da antiga Cuba e da Venezuela. Cuba defende com unhas e dentes o regime socialista implantado por Fidel, uma espécie de mistura entre o marxismo soviético e o populismo latino americano. Na mesma linha é a Venezuela que , todavia, sustenta a ideologia do bolivarianismo.
Nos dois casos a tradição do populismo mantém-se viva. É verdade que em muitos outros países da AL a desigualdade econômica e social é intensa, mas os estáveis regimes conservadores não são questionados em seus fundamentos, ou seja, será que a incompetência em melhorar os indicies sociais e a qualidade de vida da população não se deve exatamente ao padrão ultrapassado e velho do regime conservador no poder? É por isso que atitudes como as de Chavez e o grupo de Fidel em Cuba, sobretudo confundido revolução com autoritarismo e populismo, ainda continuam a seduzir muitos políticos e lideres de movimentos sociais na AL.
No geral, porem, as gestões de esquerda tem sido positivas diante do eleitorado, e diante de comparações com os governos da década de oitenta de matrizes amplamente voltadas para o tal consenso de Washington.
Todavia, podemos falar numa onda revolucionárias atual? Numa onda de propulsão de ideais revolucionários?
Bem, primeiro é preciso afastar as concepções clássicas de revolução e de modos revolucionários de transformações sociais, econômicas e políticas. As tais mudanças radicais têm sido menos sedutoras por conta justamente do fato de que a maioria dos países que já experimentaram mudanças profundas têm resistência muito maior em acreditar nas velhas utopias grandiosas de mudanças sociais e culturais.
De outro modo, dificilmente num país como a Alemanha o povo irá embarcar numa nova aventura para uma guerra civil ou mesmo num novo delírio militarista. A experiência histórica de um povo conta muito na contabilidade para o retorno de ideais revolucionários.
No entanto, na Alemanha há profundas indicações de atitudes e comportamentos sociais de apelo e sedução por mudanças profundas do país, sem necessariamente ter que ocorrer a quebra da ordem constitucional ou a mudança abrupta do sistema econômico. Por exemplo, a decisão do governo alemão de eliminar as suas usinas nucleares, por conta de uma forte pressão popular, demonstra que o país quer mudanças, mas controladas e racionais.
Então, o tema da revolução, da possibilidade da revolução num sentido clássico de uma utopia que promete alterações radicais e abruptas da sociedade parece inviável em muitos países. Sem dúvida, para aqueles países que experimentam ondas retrogradas de modernização, em vários casos, há países que sequer entraram na modernidade, ai sim podemos falar numa possibilidade de restauração dos ideais utópicos revolucionários.
Ainda assim, é preciso muita cautela nessa linha de abordagem porque de fato nesses países o regime político no poder nutre o seu autoritarismo e sua forma predatória de exploração exatamente no fato da penúria e miséria do povo. Logo, não é difícil de constatar que é mais provável a continuidade de guerras civis e golpes de estado do que de processos límpidos e utópicos de mudanças sociais e revolucionárias ocorrerem por ali...
Sergio Fonseca

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Estado e Igreja

Formalmente na modernidade os assuntos políticos e públicos, isto é, os assuntos de Estado, não podem sofrer nenhuma mistura com os assuntos religiosos, ou seja, com a Igreja. A isso dá-se o nome de Estado laico, ou, laicidade. Já o laicismo é um movimento histórico, datado em torno do século XVI que tem a ver com questões relativas a participação do leigo no governo da Igreja.
Na prática, porem, a Igreja interfere diretamente nos assuntos públicos e políticos. Há uma gama de temas que começa com o aborto, passando pela homofobia chegando até aos transgêncios e aos usos terapeuticos e genéticos das celulas-tronco, nos quais a Igreja interfere. O contrário não se vê, isto é, o Estado interferindo nos assuntos das Igrejas.
É verdade que entre as denominações religiosas existe muitos conflitos e falta de unidade na abordagem dos temas elencados à cima. Mesmo no caso do aborto, temos divergencias porque há grupos de religiosos que entendem defender a liberdade da mulher na escolha do ato de ter ou não filho, mesmo quando já grávida. O corpo da mulher apenas a ela lhe pertence.
Não é essa a posição da maioria dos cristãos. Todavia, a questão é: Por que a Igreja continua, não apenas se posicionando sobre assuntos públicos, mas tendo forte lobbi na condução de certas decisões?
É óbvio que o crente é um cidadão como outro qualquer. Logo ele deve sim ter a sua opinião respeitada quando se trata de formação de leis que podem vir a ferir os seus valores. Nesse caso podemos fazer uma distinção entre o cidadão cristão que se posiciona diante de temas conflituosos a partir de valores apreendidos na Igreja, da posição forte e política da instituição Igreja. Uma coisa é o cidadão e outra diferente é a instituição Igreja. O cidadão vota e opina a partir de seus valores religosos, culturais e políticos. Já a Igreja, além de defender os valores cristãos no cenário público, atua nos bastidores da formação politica dos blocos de poder. A Igreja é uma instituição também política extremamente atuante. O seu poder político prova que a laicidade existe apenas formalmente, dentro de certos limites estreitos, pois na pratica a Igreja é muito poderosa.
Historicamente a Igreja sempre atuou politicamente, seja apoiando regimes políticos ou combatendo certas orientações de governo tidas como contrárias aos costumes e valores cristãos. A Igreja tem muita força política. E seria utopia acreditar que a Igreja não interfere nos assuntos públicos. Porem, até que ponto os legisladores, os juizes de tribunais e os governantes devem ouvir e aceitar as posições da Igreja, no momento de tomar as suas decisões? Temos visto que até durante os processos eleitorais a Igreja tem um peso forte. Foi o caso do ajuste que a candidata Dilma fez com a CNBB sobre o tema do aborto. Ela simplesmente negou o que ela própria pensava e o PT, para aceitar literalmente a posição dos bispos sobre o aborto. E o fez porque sabia que sem o apoio da Igreja a sua eleição poderia sofrer baixas fortes. Ouso dizer que um canditado a presidente sem o apoio dos cristãos dificilmente se elege no Brasil, quiça em outros tantos países ocidentais ou mesmo orientais.
Mesmo no STF quando da decisão sobre permitir ou não as pesquisas com as celulas-tronco, que envolvia definições filosóficas sobre quando começa a vida, mesmo alí, prevaleceu a posição cristã de que o feto, não importando o seu tempo de formação, desde que em gestação, já é vida e assim não poderia ser sacrificado ou usado como material genético de pesquisa.
Se o todo poderoso Supremo Tribunal Federal sofre forte pressão da Igreja, então o que dizer dos prefeitos e Governadores, deputados e vereadores, juizos estaduais e conselheiros de Conta? Mas, seria isso adequado ao regime democratico que prevê que as decisões políticas e os assuntos públicos devem ser tratados de forma distante das injunções religiosas?
DILMA E A POLÍTICA

Tá ficando muito evidente que a Dilma vive dilemas profundos em sua gestão política. De um lado parece que o Lula está próximo demais, ela não pode sustar o jogo com ele, mas também não consegue dizer claro ao congresso como que vai tocar o seu governo. Em política os dilemas são no fundo fraqueza, são muito bem explorados pelos adversários.
O PT não é um partido fácil de ser conduzido. Lula jogou pesado contra algumas lideranças internas quando teve que optar entre seguir a linha monetária e fiscal de FHC ou dá um cavalo de pau na economia. Optou pelo pragmatismo e teve que segurar o PT no braço , mas o fez com competencia digna de registro histórico.
Dilma agora não vive o dilema de seguir a linha de seu antecessor, mas o dilema de ter que decidir contra o seu antecessor. Mas, para fazê-lo não bastará a fala e a força diretas. Há muito mais em jogo. Ela terá que mexer no ordenamento político, não necessariamente o jurídico, dos partidos. E para isso terá que iniciar a caminhada conversando com os ex-presidentes.
Kassab moveu peças no jogo provavelmente(pura especulação minha, SBF) orientado por FHC.. A carta que Dilma mandou para FHC foi do tipo que em política se traduz como: então, tá na hora de conversar, não? No velório do Itamar, Aécio Neves olhava para Dilma e FHC como quem diz: Tá mesmo na hora do diálogo. Se as grandes lideranças ficarem na briga fratricida de outrora, tanto da era de FHC quanto da era Lula, o Brasil não sai do lugar, e os recursos públicos vão ficar no congresso como divisão grotesca de verbas, e não como meio de propulsão para um novo mundo no país. O Brasil precisa ser pensado e elaborado. Não dá para usar de forma perdulária os recurso vindos do pré-sal e depois simplesmente não ter nada para oferecer às gerações futuras.
O Brasil cresce, mas não se desenvolve. Para isso tá na hora de propor reformas estruturantes que vão desde a questão político-eleitoral até o sistema tributário e fiscal. Com a armadura institucional da política brasileira atual não se vai conseguir ir muito longe. As mudanças que o país precisa sofrer são de qualidade e não de quantidade. Não basta aumentar a produção de soja, tem que haver investimento em ciência e tecnologia, infraestrutura e logística. Com o dinheiro vindo de tecnologias velhas e sujas como são as do petróleo, da metal-mecanica, as pedras de granitos e mármore..., enfim tudo isso não é suficiente e na verdade irá deixar déficits profundos nos recursos naturais disponíveis.
A educação tem que sofrer investimentos para que se possa preparar o país para o futuro, o futuro movido por energias limpas. O país precisa instaurar o debate sobre qual o desenvolvimento que queremos. Agora uma outra CPI e novas ondas de denúncias de corrupção...
A Informação Nas Novas Mídias

O mundo vive uma revolução na produção e circulação de informação e conhecimento. É verdade que temos que fazer uma leve separação entre as informações que temos hoje armazenadas nos arquivos e bibliotecas no mundo concreto, da cognição que a opinião pública produz instantaneamente. Essas duas coisas estão vinculadas.
No primeiro caso, estamos diante da questão de saber se o impresso será substituído pelo digital/virtual. O segundo ponto refere-se a instantaneidade da produção e circulação de informação. Não apenas o caráter instantaneo, mas a possibilidade do acesso irrestrito do público geral para produzir informação. Muda hoje a forma como a informação está sendo produzida pelo fato de que mais pessoas tem acesso e ao mesmo tempo produz informação.
Todo o conhecimento e toda a informação que existe hoje em forma material, no impresso, não migrará para o digital, apenas uma boa parte está sendo negociada para liberarem o seu passaport para o mundo virtual. Então, isso significa que apenas no plano da rede virtual não podemos acessar tudo o que o ser humano acumulou até hoje de saber e conhecimento. Isso refere-se ao passado, ao que foi acumulado.
Entretanto, há uma revolução ocorrendo do presente para o futuro que é o fato de que toda a produção relevante de informação sobre a vida e o mundo está sendo feita nas redes, no plano virtual. Tudo o que nós passaremos a saber e conhecer sobre as coisas estará na internet, será produzido em redes virtuais de comunicação. Da arte à ciência, da religião à literatura, dos jornais diários às mídias eletronicas. Não há dúvidas de que as bem sucedidas estratégias de conectividade na web migram para todas as atividades da vida. As TVs estão conectadas e estar conectado torna-se um imperativo de vida. Migrando a informação para a conectividade migra também o poder que passa a ser exercido em função do contrapeso da democratização da produção de informação.
Logo, são duas direções num mesmo veiculo transformador na internet. A primeira direção é a da técnica da informatização do conhecimento. Isto é, o conhecimento rodando sobre o HD. O segundo elemento diz respeito à criação de redes comunicativas. Isto é, o softwer divorciando do HD local para circular como base de redes sociais, corporativas e governamentais. Há várias questões suscitadas por essas transformações. Desde o debate sobre a propriedade intelectual até os efeitos de segurança da informação criculando sobre os estados nacionais e as instituições internacionais.
Mas, o que tem chamado muito a atenção ultimamente é o debate sobre qual o destino da mídia corporativa diante da explosão das mídias sociais de informação e conhecimento. O potêncial das mídias sociais na internet, em termos de produção de informação, é imenso. Hoje elas já conseguem pautar os jornais impressos. A televisão, cujo domínio é o da lógica corporativa de mercado, resiste o quanto pode, mas já dá sinal de que ou negocia com as mídias sociais ou poderá ser atropelada. Pois se as exibições de vídeos na WEB seguirem este ritmo em pouco tempo a produção de imagens será tão facilitada quanto a produção de textos escritos. Inserções locais de reportagens sobre os bairros, eventos musicais, debates politicos e culturais, cobertura especializada de manifestações diversas da população, e.t.c., terão a sua edição disponibilizada para qualquer um que queira produzir informação. A própria população então como opinião pública tem a possibilidade de acessar e dispor seus próprios saberes e interpretações sociais de mundo num contexto intersubjetivo tonificado. E as mídias corporativas terão que se adequar. É um longo processo mas que tem sinais evidentes de ampliação do acesso à informação e democratização na produção do saber sobre o mundo social. Conflitos e disputas estão também na origem e formação de todo esse processo.
Sergio Fonseca

domingo, 3 de julho de 2011

O Futuro da Natureza Humana de Jürgen Habermas

O que devemos esperar moralmente da biotécnica?
O filósofo alemão Jürguen Habermas ficou conhecido na Europa, nos EUA e no Brasil em função da sua "Teoria da Ação Comunicativa", um calhamaço de mais de 1000 páginas, publicado em dois volumes e mais acréscimos, que provocou um verdadeiro terremoto ao liberar espaço para as criticas sofisticadas ao marxismo ortodoxo, conter o ímpeto anti-modernista dos frankfurtianos e pôr limites nas pretensões da filosofia alemã de só conversar com os seus pares.
Ele quebrou o lacre provinciano do pensamento europeu e revelou que da América estava saindo as coisas mais importantes em termos filosóficos. Enfim, disse, em tom um pouco empolado, mas rigoroso e sério, que filosofar exige uma boa dose de clareza e prova empírica. Um bom texto filosófico não pode ser algo criptografado como era costume entre os alemães. Habermas começa lá atrás com Pierce, do pragmatismo, até chegar ao debate com Rorty, Davidson e tantos outros. A teoria da ação comunicativa, em poucas palavras, atualizou o pensamento de esquerda indicando a necessidade do diálogo com outras fronteiras da cultura intelectual moderna, principalmente o pragmatismo e o liberalismo.
Ele movimenta o ambiente filosófico agora com uma discussão sofisticada acerca das implicações das pesquisas genéticas para a integridade moral da espécie. "O Futuro da Natureza Humana" toca esse tema de forma muito peculiar pois vai ao encalço da problemática que vincula a reflexão sobre o iluminismo e os destinos da razão ocidental na base da técnica programada. Ou seja, Heidegger estará lá, na ponta, à espera de um passo em falso do combatente pela razão.
As terapias genéticas haviam posto à disposição dos seres humanos possibilidades regenerativas dos tecidos nunca antes vistas. Com a biotécnica, porém, estas possibilidades se amplificaram ao ponto de o próprio conceito de humano se ver ameaçado. Trata-se da disponibilização de uma técnica cientifica que reproduz seres humanos. Projetistas, os designers, com orientação de pais interessados, projetam seres humanos com todas as características orgânicas nossas conhecidas, porém, previamente definidas. O projeto do parque humano ou da colônia humana parece estar em vias de aparecer. Mas, Habermas não segue esse caminho interpretativo, obviamente. Ele tenta reconectar a disponibilidade de uma técnica programada para construir "protótipos humanos" ao liame da moral e da ética publicamente articuladas. Os valores do humanismo aqui são bem vindos pois apenas com eles podemos ter lastro para saber onde queremos ir com a técnica de manipulação de protótipos humanos.
Na física neoclássica, com a exploração da energia atômica, se pôs à disposição dos seres humanos uma estupenda capacidade de destruição com base na manipulação dessa energia. Provou-se em 1945 efetivamente do sabor do fruto da árvore proibida. Isso parecia tudo e os pessimistas de plantão estavam convictos de que a ciencia havia chegado ao monstro que somos e que se escondia por dtrás de libelos e cartas de intenções. De que somos capazes quando temos disponíveis poderes e técnicas nunca antes imaginados? Eis os temas do debate filosófico de época. O que temos agora em pleno século XXI é a disponibilidade de técnicas genéticas que podem alterar de forma pre-fabricada os conjuntos humanos. Em outras palavras, estamos intervindo com base num plano racional e planejado de ciência e técnica, no nosso próprio corpo. Que interesse o poder pode ter nisso? os intereses economicos, políticos e raciais estão na espreita!

Heidegger e o Humanismo

Mesmo Heidegger, depois de toda a porcaria do nazismo, lá na floresta negra, num silencio irritante, apelou para uma Carta ao Humanismo tentando ver até onde a sua primeira critica ao mundo tecnicizado poderia ir caso o humanismo pudesse ser reposto, ainda que artificialmente. É óbvio que ele testara também os efeitos das denuncias sobre o seu envolvimento com o nazismo. Como pôde o maior pensador do ocidente se envolver com a execução de uma ideologia tão medíocre e ao mesmo tempo monstruosa?
Não era tudo. Agora, em pleno século XXI, a engenharia genética permite ao seres humanos brincarem de Deus, isto é, permite que a nossa própria natureza seja reproduzida de modo livre, contando apenas com a nossa vontade e o nosso poder técnico-científico. A explosão e tontura causadas pelo poder técnico-cientifico-militar que o nazismo disponibilizou fez Heidegger tremer o seu dasein num solo minado em que a cultura caia de quatro ao poderio em voga. A técnica genética pode fazer com que os apelos por um mundo melhor e um novo homem sejam efusivamente interpretados a partir de uma linha de produção de protótipos humanos administrada pelo mercado de ações financeiras.
Transitamos, então, do poder despótico da física neoclássica, usada por governos ditos democráticos e com o argumento de que tínhamos que parar o inimigo da civilização, para o saber claro, distinto e limpo da genética pós-moderna financiada pelas bolsa-de-ação. A cola mágica da atividade cientifica com o financiamento privado de fundos de pesquisa direcionam o dasein para o abismo de uma ciência que segue cega pela vontade de saber e de verdade.
Há um hiato entre a física neoclásica, incluindo a teoria do caos e o princípio da incerteza de Heisenberg, e a técnica genética de reprodução controlada e induzida. Tal hiato pode ser descrito como o limiar da civilização e a prova pratica da teoria da evolução que ratifica o poder do mais forte sobre o mais fraco. A física detinha um poder, digamos, externo. A genética implica um poder interno pois permite o controle e a indução para a formação de seres vivos a partir de planejamento racionalizado.
Mas Habermas pegunta, perplexo: será que a disponibilização desta técnica de reprodução humana não afetará negativamente nossa auto-compreensão ética? Será que temos o direito de projetar seres humanos e, assim, privá-los de suas escolhas reais, uma vez que decisões genéticas, ao contrário de influências do meio, são irrevogáveis?
Jocoso talvez fosse se Heidegger enfrentasse o Habermas diante de um tribunal que tivesse por objetivo decidir sobre os limites da técnica na vida humana. Afinal, não foi Heidegger quem deu o ponta-pé inicial para desmoralizar a civilização moderna acusando-a de ter esquecido do ser para promover a coisa e a técnica imunda da ciência cartesiana? Habermas deveria invocar Kant para apoiarem um tribunal que julgasse o objetivismo canhestro da ciência e da técnica e as falsas pretensões humanistas de intelectuais pós-modernos. De certo que Foucault difere em muito de Heidegger e do parque genético ou mesmo do super-homem. Resta saber onde alocar Nietzsche nessa história escabrosa!
Porém, Habermas prefere o debate liberal, a esfera pública emancipada e aposta as suas fichas em nossa capacidade de entendimento mútuo e de afeto humanitário.
Leiam o livro e vejam nas entrelinhas que há muito mais coisa em jogo.
Sergio Fonseca
Historiador