domingo, 15 de fevereiro de 2015

O LIVRO DIDÁTICO DO MEC É "SOLILÓQUIO ENFADONHO"?

Você sabe o que quer dizer solilóquio enfadonho? Pois é, é isso que é o livro didático que o MEC compra para distribuir entre todos os alunos da rede pública nacional. Solilóquio em filosofia é um monólogo enfadonho de alguém que supostamente sabe o que é a filosofia e a passividade de alguém que se supõe não conhecer a filosofia. O solilóquio é aquela filosofia que parte do conhecimento do autor ou professor para o leitor/aluno. 
Todo o ano a editora faz uma nova edição do mesmo livro, com algumas pequenas correções e alterações e mantém a necessidade de o MEC comprar "novos e atualizados" livros didáticos. Vou tentar mostrar como que essa "necessidade" decorre da natureza solilóquio da filosofia que se ensina hoje nas escolas públicas.
Quem no MEC avalia os livros didáticos?  É O FNDE/ https://www.youtube.com/watch?v=1G6CTHzCyy8#t=24. O livro que será avaliado aqui é o de filosofia: Filosofando: Introdução à Filosofia. Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins. 
Livros são linguagens que cada vez mais afastam-se da forma impressa para ganhar a forma digital e em rede. Alunos são os destinatários dessas linguagens. Os alunos podem ser, face a essas linguagens, ativos ou meramente passivos. Quando ativos, eles podem oferecer uma maior dinâmica e flexibilidade a essas linguagens que são compostas na forma de livros didáticos ou de material paradidático. 
Nos dois casos, a dinâmica da linguagem, nos dias de hoje, dificilmente poderia ser cristalizada em textos impressos na forma assumida por esses livros. É o formato impresso que está no foco da debate, ainda que a participação e ativismo cognitivos de alunos e professores também altera de modo positivo o conteúdo e a agenda das disciplinas. 
Por que financiar livros didáticos se eles são apenas receptáculos de dados e informações? Livros didáticos impressos funcionam apenas como velhas enciclopédias que face a um mundo digital e em redes, se desatualizam ainda antes de chegar a ser impressos. Mas, vejam que a desatualização se deve antes a dinâmica das formas de apresentação de linguagens na web, e não em relação a uma velocidade de novas e importantes descobertas, que aliás, também devem ser levadas em conta ao se trocar a linguagem nos impressos pela linguagem na internet.
E por que citar Heráclito para alguém que não sabe quem é o prefeito de sua cidade? Como dizer que "saber quem é Heráclito" significa "apreensão de conteúdo", satisfação de um processo pedagógico de ensino de filosofia?  Acaso o ser que é e não-é tem a ver com o esgoto a céu aberto ou com matanças de jovens por policiais? Aquilo que foi e que não pode mais ser, porque tudo muda, tem a ver com o fato de que a irmã que "vacilou" foi  executada por um namorado violento? 
Proponho, portanto, que ao invés de o MEC investir em material impresso para as aulas, que o faça na forma de disponibilidade de plataformas digitais, conectadas em rede, para que as próprias escolas mantenham o seu conteúdo e desenvolvam as suas estratégias de linguagens. Impedindo assim que o livro didático seja apenas uma disputa por milionários contratos com a viúva.
No caso do livro citado, o aspecto de "inércia do texto" se choca visivelmente com a dinâmica que as linguagens digitais e em rede já produzem no estudo da filosofia e com um custo financeiro milhões de vezes menor. 
Quanto ao conteúdo do livro, a inadequação, me parece que decorre do fato de que as autoras não fizeram um trabalho de pesquisa de linguagens com os jovens que serão os seus leitores. Lendo o livro é fácil identificar o descompasso entre as linguagens que os jovens utilizam em seu dia-a-dia e a que é proposta no livro. A distancia significa, em muitos casos, uma total indiferença ao que está escrito, não pelo conteúdo do que é dito, mas pela forma como é apresentado. A começar pelo antigo mundo grego, tão distante de um morador do IBES ou Santos Dumont!
A vivencia  gráfica que os jovens têm hoje nos remete a imagens de 3D e ao tempo contínuo da estação comunicativa online. Todos possuem uma timeline que os retiram duma notação convencional do tempo e os remetem a uma experiência de linguagem de moto-contínuo. Tudo isso os torna intolerantes a uma visualização de marca-texto, estático e sem vida. O texto impresso.
A filosofia é obrigada hoje a transitar pelos caminhos gráficos de games e pelos aplicativos da internet. E os alunos de filosofia não podem mais ser aquelas figuras passivas que recebiam o conteúdo jogado sobre eles. A aula de filosofia é dos alunos, não é do MEC ou do corpo pedagógico, mas dos criativos e imaginativos alunos! Talvez é chegado a hora de se TROLLAR os livros didáticos do MEC! 
Sergio Fonseca
Historiador

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