terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

                                                    CRISE DA ESQUERDA?

Por esquerda, entendo ser as praticas políticas e sociais e os programas teóricos de organização de instituições e de políticas públicas. Logo, a crise a que me refiro diz respeito a uma gama muita complexa de fatores e de perspectivas políticas. Afinal, no saco dos que afirmam ser de esquerda há tantos gatos quanto cachorros e lebres.
Ainda assim, sustento que estamos exatamente no meio da crise disso tudo ai que foi descrito. E por que crise? Como identificar uma situação de crise? Quais os contornos, e.t.c.? Não há respostas boas na praça!
É fácil comprovar que a esquerda não está em crise só no Brasil, mas no mundo. No Brasil, a esquerda se notabiliza na defesa de direitos, na busca do aumento da oferta de bens e de serviços e na manutenção do poder de compra do trabalhador. Nada pode abalar essa equação de esquerda, quando abala, por exemplo, na necessidade de adoção de medidas de austeridade fiscal, o consenso diminui e o cimento que une todos os setores da vida social, endurece, passa a ser alvo de ataques e achincalhos. Via de regra: o serviço público e os politicos que são alvejados!
Lá na Grecia, a esquerda está agora no meio do dilema de manter a Grécia na Zona do Euro ou "saltar de banda" rumo ao desconhecido ou o já muito conhecido populismo. Se sair da Zona, terá que se reinventar. Mas, como? Apenas na bravata da defesa de direitos?
Aqui está o núcleo de minha argumentação. A crise se põe justamente porque as alternativas economicas que foram criadas na tradição do pensamento de esquerda, não funcionam mais. No capitalismo, o que tem funcionado é apenas a ganancia descontrolada e desorientada, mas por mais incrivel que possa parecer, a ganancia move o mundo econômico, e a defesa de direitos e garantias, via de regra, torna-se fardo financeiro. A esquerda não cria nada novo. Um mundo com uma brutal concentração de renda e poder e a esquerda, tonta, sem saber o que fazer!
Sergio Fonseca   

domingo, 15 de fevereiro de 2015

O LIVRO DIDÁTICO DO MEC É "SOLILÓQUIO ENFADONHO"?

Você sabe o que quer dizer solilóquio enfadonho? Pois é, é isso que é o livro didático que o MEC compra para distribuir entre todos os alunos da rede pública nacional. Solilóquio em filosofia é um monólogo enfadonho de alguém que supostamente sabe o que é a filosofia e a passividade de alguém que se supõe não conhecer a filosofia. O solilóquio é aquela filosofia que parte do conhecimento do autor ou professor para o leitor/aluno. 
Todo o ano a editora faz uma nova edição do mesmo livro, com algumas pequenas correções e alterações e mantém a necessidade de o MEC comprar "novos e atualizados" livros didáticos. Vou tentar mostrar como que essa "necessidade" decorre da natureza solilóquio da filosofia que se ensina hoje nas escolas públicas.
Quem no MEC avalia os livros didáticos?  É O FNDE/ https://www.youtube.com/watch?v=1G6CTHzCyy8#t=24. O livro que será avaliado aqui é o de filosofia: Filosofando: Introdução à Filosofia. Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins. 
Livros são linguagens que cada vez mais afastam-se da forma impressa para ganhar a forma digital e em rede. Alunos são os destinatários dessas linguagens. Os alunos podem ser, face a essas linguagens, ativos ou meramente passivos. Quando ativos, eles podem oferecer uma maior dinâmica e flexibilidade a essas linguagens que são compostas na forma de livros didáticos ou de material paradidático. 
Nos dois casos, a dinâmica da linguagem, nos dias de hoje, dificilmente poderia ser cristalizada em textos impressos na forma assumida por esses livros. É o formato impresso que está no foco da debate, ainda que a participação e ativismo cognitivos de alunos e professores também altera de modo positivo o conteúdo e a agenda das disciplinas. 
Por que financiar livros didáticos se eles são apenas receptáculos de dados e informações? Livros didáticos impressos funcionam apenas como velhas enciclopédias que face a um mundo digital e em redes, se desatualizam ainda antes de chegar a ser impressos. Mas, vejam que a desatualização se deve antes a dinâmica das formas de apresentação de linguagens na web, e não em relação a uma velocidade de novas e importantes descobertas, que aliás, também devem ser levadas em conta ao se trocar a linguagem nos impressos pela linguagem na internet.
E por que citar Heráclito para alguém que não sabe quem é o prefeito de sua cidade? Como dizer que "saber quem é Heráclito" significa "apreensão de conteúdo", satisfação de um processo pedagógico de ensino de filosofia?  Acaso o ser que é e não-é tem a ver com o esgoto a céu aberto ou com matanças de jovens por policiais? Aquilo que foi e que não pode mais ser, porque tudo muda, tem a ver com o fato de que a irmã que "vacilou" foi  executada por um namorado violento? 
Proponho, portanto, que ao invés de o MEC investir em material impresso para as aulas, que o faça na forma de disponibilidade de plataformas digitais, conectadas em rede, para que as próprias escolas mantenham o seu conteúdo e desenvolvam as suas estratégias de linguagens. Impedindo assim que o livro didático seja apenas uma disputa por milionários contratos com a viúva.
No caso do livro citado, o aspecto de "inércia do texto" se choca visivelmente com a dinâmica que as linguagens digitais e em rede já produzem no estudo da filosofia e com um custo financeiro milhões de vezes menor. 
Quanto ao conteúdo do livro, a inadequação, me parece que decorre do fato de que as autoras não fizeram um trabalho de pesquisa de linguagens com os jovens que serão os seus leitores. Lendo o livro é fácil identificar o descompasso entre as linguagens que os jovens utilizam em seu dia-a-dia e a que é proposta no livro. A distancia significa, em muitos casos, uma total indiferença ao que está escrito, não pelo conteúdo do que é dito, mas pela forma como é apresentado. A começar pelo antigo mundo grego, tão distante de um morador do IBES ou Santos Dumont!
A vivencia  gráfica que os jovens têm hoje nos remete a imagens de 3D e ao tempo contínuo da estação comunicativa online. Todos possuem uma timeline que os retiram duma notação convencional do tempo e os remetem a uma experiência de linguagem de moto-contínuo. Tudo isso os torna intolerantes a uma visualização de marca-texto, estático e sem vida. O texto impresso.
A filosofia é obrigada hoje a transitar pelos caminhos gráficos de games e pelos aplicativos da internet. E os alunos de filosofia não podem mais ser aquelas figuras passivas que recebiam o conteúdo jogado sobre eles. A aula de filosofia é dos alunos, não é do MEC ou do corpo pedagógico, mas dos criativos e imaginativos alunos! Talvez é chegado a hora de se TROLLAR os livros didáticos do MEC! 
Sergio Fonseca
Historiador

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

HEGEL: O REAL É MESMO RACIONAL?

A frase mais famosa da filosofia é a de Hegel: o real é racional, e o racional é real. E foi essa frase que lhe granjeou o título de filosofo conservador. Vou tentar aqui mostrar porque Hegel não deve ser tido como um filosofo conservador, não, se a base da argumentação for a sua filosofia do direito.
Curiosamente, o livro de Hegel que mais irritação causou, mais estímulos políticos produziu, não foi a Fenomenologia, obra revolucionária que trouxe a teoria do processo para dentro da filosofia, não foi ela, mas o "Princípios da Filosofia do Direito". O Estado, aqui, é elevado ao momento máximo da tomada de consciência da modernidade. O Espírito, em leis, faz-se carne!
Antes de tudo, é preciso saber que Hegel não diz o que deve ser, mas procura compreender o que é. Sem essa intelecção a piori, o "Princípios..." torna-se um exercício vazio de moral burguesa. Que é a forma como certos intelectuais interpretam a "crise moral da política de esquerda".
Hegel desconfiava que naquilo que é está a chave para aquilo que deve ser. O dever ser não é exógeno ao processo, ele sai de dentro do que é, mas apenas na condição de que o que é não seja confundido com aquilo que você deseja que seja.
Eu não consigo ver proposta de caminho filosófico mais promissor e rico do que essa do Hegel. Não existe, na filosofia, nenhum filosofo que assuma a abstração de modo assim tão aberto, tão positivo. Nele, ela não é apenas ponto de partida, mas também ponto de chegada para o pensamento. E, no entanto, Hegel é o filosofo mais concreto que eu já li em minha vida. A concretude do mundo, nele, parece ser o resultado de um longo e complexo processo de abstração.
Mas, calma! Vamos seguir mais devagar nesse filosofo, que não estava disposto, nem um único minuto, a facilitar as coisas para a gente. O voo de Minerva parte ao fim do dia, não há razão para que voce acredite que possa compreender o processo quando ele apenas desabrocha, ensinam os interpretes de Hegel.
Veja, antes, onde você está no processo, depois tente observar os seus links com o tempo de sua inserção no mundo. A partir daí, você deve entender que a contradição ou a mediação dos contrastes é o ambiente em que se encontra o sujeito da história de Hegel. Ou seja, Hegel movimenta-se filosoficamente num solo movediço, nada é o que parece ser. Esse é o mundo de Hegel, continua sendo o nosso!
A fama de conservadorismo do "Principios..." é inversamente proporcional a fama de revolucionário da "Critica da filosofia do Direito de Hegel", escrita por ninguem menos do que Karl Marx. Enquanto o velho Hegel é jogado na dispensa da história como um autor que deu a sua contribuição ao pensamento, mas que a partir daqui, do processo em curso, a sua filosofia não mais faz avançar, faz recuar, enquanto isso, Marx, passa a ser tratado como o pensador que sabe como fazer para inaugurar a racionalidade do mundo, antes que a falsa racionalidade mitifique o processo histórico. Troca-se, assim, um pensador conservador por um revolucionario na guia da história.
Mas, qual o contexto político dessa troca? A primeira metade do século XIX. A Alemanha dividida, rural e com uma classe política sem credibilidade. A esquerda hegeliana achava que Hegel via um mundo que não existia, só na cabeça dele era real. Daí a identificação total entre realidade e racionalidade, diziam. Eles estavam certos, facilmente Hegel concordaria com eles. Os motivos é que são outros. De fato, Hegel elevou o Estado a uma condição que não existia na realidade alemã de época. Os hegelianos de esquerda não viam a racionalidade que Hegel dizia haver no mundo.   
E aí é que está localizado o nosso problema. A racionalidade do mundo é a mais pura abstração do pensamento. Essa frase lapidar, pode ser retirada dos textos de Hegel com muita facilidade, em quase todos eles. Na verdade, a racionalidade é um modo hegeliano de tratar as contradições do processo em curso. Ela não é imune as vicissitudes do processo, porque nasce já contaminada com o fato de que o processo não se mostra no inicio, mas no fim. Logo, a racionalidade apresenta etapas contiguas ao processo de racionalização do mundo. Tudo aqui é precário, ou prosaico, antes que a razão se vê como autora do mundo e cuja narrativa é ela quem produz. Pôr ou não poesia no mundo? Isso é o prosaico, o dilema estético da filosofia da história de Hegel.
Agora podemos entender a frase lapidar contida ali no "Princípios...". Sempre que você olha para o mundo, o que você vê é a racionalidade. Se você vê um mundo real, então ele é racional, sintetizou Hegel. Pronto!  A racionalidade do mundo é o processo do mundo. Processo pelo qual ele, mundo, torna o que é.
Quando Hegel foi acusado de conservadorismo com essa frase, pela esquerda hegeliana, os seus discípulos acreditavam que a racionalidade do mundo não continha toda a realidade vivida, mas apenas aquela que resultasse da ação dos revolucionários atuais. Mas, todas as ações, revolucionárias ou não, eram racionais simplesmente porque estavam no mundo e não na imaginação.
Mas, para o sujeito de uma razão hegeliana de esquerda, a racionalidade é precariedade de um constructo do entendimento humano, e não aquilo que resulta do processo. Logo, o real não é racional enquanto a revolução proletária não a inaugura no mundo. 
Não há racionalidade se o programa revolucionário não é executado. Mas, Hegel havia entendido que o programa revolucionário havia sido posto em marcha com a revolução da modernidade: a laicização do estado, a vitória da ciência e da tecnologia, o direito constitucional, a revolução francesa, o iluminismo, e.t.c.
Hegel entendeu mais: ele entendeu que a racionalidade do mundo já se formava em etapas históricas pretéritas. Sem dúvida, na modernidade, Hegel via a consumação do processo. Aliás, não é outro o motivo que levou Hegel a identificar o real com o racional, pois foi a modernidade da vida que mostrou que não precisamos mais temer o mundo porque a racionalidade é que o comanda.
Como pós-hegelianos se pode falar em correção de rumo da racionalidade?  Podemos ainda imaginar uma racionalidade que se apresenta, dentro do esgotamento de uma racionalidade pratica, melhor calibrada?
A racionalização de Hegel continua revolucionária justamente porque permite correções de rumo, e bloqueia juízos morais burgueses que infectam o pensamento da superação!
Sergio Fonseca
Historiador